O sensor
Foi um final de dia surpreendente.
A tarefa era morosa e se calhar árdua. Por isso tínhamos pedido reforços: mais dois adultos para o que desse e viesse. Os móveis de escritório tinham que ser levados dali para fora, mais precisamente dali para baixo. Começamos por desaparafusar as estantes com chaves universais. Mas o trabalho não rendia.
Lembrei-me então de transportar as coisas pelo elevador. Só o simples pensar na solução transmitiu-me uma sensação de alívio. O meu corpo relaxou com a perspectiva da facilidade. Fomos comparar os espaços e percebemos que seria à justa. Mesmo assim arriscamos.
Acondicionada a estante no interior da cabine, faltava fechar a porta e deixar ir cabo abaixo. O rapaz, como era o único que cabia no espaço livre, lá se instalou. Contudo, a porta recusava-se a fechar, apesar não ter nenhum obstáculo à sua frente. A explicação era simples: o sensor, situado um pouco no interior, incidia na estante e não fazia retorno. A máquina não tinha ordem para actuar, digo fechar. Os outros ainda desistiram. Mas eu não fiquei convencido. Se a função do sensor era proteger os utilizadores do embate inesperado da porta, em especial as crianças, ela estava cumprida e mais que cumprida. Não havia motivo para não seguir viagem. Era preciso convencer a máquina que estava tudo bem, que não havia problema. Não sendo possível o convencimento, a solução seria a ilusão.
Como iludir o sensor? Como enganá-lo? Parei um pouco e deixei o pensamento procurar uma solução. Eureka! O retorno do sinal só poderia ser possível com um espelho. Sim! um espelho. Era preciso um espelho. Indagou-se em tudo quanto era sítio e ele acabou por dar a cara, como quem diz, aparecer.
Regressados à posição inicial, o rapaz colocou o espelho e o logro concretizou-se: a porta fechava-se.
Inesperadamente, outro problema ainda mais grave se me colocou. O rapaz ia no elevador sem mim. Podia acontecer alguma avaria e ele ficava sozinho e trancado entre a estante e a parede da cabine. Ainda vi se o outro elevador estava presente, ainda me disseram que não demorava nada a chegar, mas foi impossível iludir a aflição. Desatei a correr pelas escadas abaixo sempre a convencer-me que tudo estaria bem. Foram seis andares, muitas escadas e patamares corridos com a culpa nas mãos. Tinha pensado em tudo, menos nele. Quase no final da descida ouço o elevador a abrir e chamo por ele, respondendo-me que estava tudo bem. Deixo cair a culpa, talvez no piso dois, e depressa chego à sua presença. Agarro-lhe a cabeça contra o meu peito, liberto-a e dou-lhe um beijo na testa.
- Boa MacGyver! – Disse aliviado.
13 de Novembro de 2010.
Publicado in Histórias mal contadas