Açaime
O silêncio dos inocentes.
Paulo Moreira Lopes, in Cão noturno e glossário canino, no prelo.
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O silêncio dos inocentes.
Paulo Moreira Lopes, in Cão noturno e glossário canino, no prelo.
Há uns tempos a esta parte, o rapaz, para imitar os rapazes do 9.º andar (são filhos da Andrea e do Xico, passe a publicidade), começou a tratar-nos, a mim e à mãe, pelo nosso nome próprio.
Passei a ser o Paulo, ou seja, como se fosse um amigo.
Às vezes, para o irritar, respondia-lhe para ir chamar Paulo ao padrinho (é o tio e também se chama Paulo).
Hoje, ao início da tarde, depois do almoço, tive uma surpresa.
Ouvi-o chamar-me por pai. Achei estranho, confesso (não estava habituado, ou melhor, desabituei-me). Lá segui o som e dei com o meu filho (já não era amigo) na sala, ajoelhado, em frente ao aparelho da Zon.
O sinal da internet não estava disponível e ele, desesperado, vinha agora pedir ajuda ao pai. O amigo Paulo, se calhar, não deveria perceber nada do assunto. Andamos, literalmente, às voltas com o aparelho e, para tirar dúvidas, desligamos e voltamos a ligar a corrente elétrica.
Consultado o computador confirmava-se a falha, agora com o esclarecimento de que tinha ocorrido uma avaria do tipo 2.
Tive então de telefonar, na qualidade pai, para a assistência técnica e soube, de fonte segura, que tinha ocorrido um apagão aqui na zona. A incomunicabilidade ia durar até às 18h e 35m.
O rapaz ficou triste, mas conformado. Era uma questão de horas.
Eu, que havia reconquistado o estatuto de pai (será de Paizon?) e, em consequência, passado a usufruir dos privilégios a ele inerentes, é que fiquei sem saber até quando duraria o efeito do apagão que tinha ocorrido dentro do meu filho.
Vila Nova de Gaia, 13 de janeiro de 2013.
Chama-se Anunciação, tem 85 anos, vive na rua Direita e já nos conhece há 16 anos.
Somos sempre nós quem reata a conversa suspendida desde a última visita. Voltamos a falar da animação da Vila, da saúde e da família. Soubemos, desta vez, que tinha acabado de ser bisavó de uma menina de nome Joana.
No meio daquela troca de desabafos, ouvi e registei: quando lhe custa adormecer é frequente lembrar-se de nós (já seremos um dos espíritos do lugar?).
Suspensa a conversação, fizemos a visita da praxe, sendo que desta vez fomos até Oletsac[1].
Diziam que era um mundo fantástico. Porém, ao passar a Porta da Talhada, sinceramente, não senti qualquer diferença. Para mim, a Vila e Oletsac são a mesma coisa. Aliás, o Obiólogo, o Matusalém, o Druida, o Gáveas, o Ardina e a Princesa Urraca são, há muito, muito tempo, meus amigos do peito, do coração e, como óbvio (ia a escrever Óbido), da imaginação. Vê-los por ali não foi surpresa alguma (os dedos fogem-me para nenhuma, mas a revisora cá da casa não deixa). Ia a dizer, sempre por ali andaram. Só não os via quem não podia ou, cúmulo das infelicidades, quem não queria.
É-me igual, portanto, a Vila e Oletsac, o que difere é o bilhete para entrar neste último.
Como igual continua a ser o magnetismo da Várzea da Rainha. É a paisagem que mais tranquilidade me inspira. Impressiona-me aquele mar de terra sereno. Questiono-me sempre: quem me bebe o olhar[2]?
Depois do lanche e sob um crepúsculo púrpura deixamos a Vila.
Guiados pelo cruise control fizemos a viagem de regresso entre o relato do Estoril vs F. C. Porto (TSF) e a Smooth FM (sintonizada quando o rapaz adormecia).
Não pude, contudo, deixar de pensar no desabafo da nossa antiga senhoria. Já seremos um dos espíritos do lugar? A resposta só pode ser afirmativa. E lá continuaremos a fazer-lhe companhia sempre que o sono se atrasar.
Telheiro da Praça de Santa Maria e cerca do Castelo, Óbidos, 30 de dezembro de 2012.