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Histórias mal contadas

São factos do quotidiano, aparentemente sem qualquer importância, aos quais o autor dá a relevância do absoluto, do todo. É a sua obra-prima, sem prejuízo de outro entendimento.

Histórias mal contadas

São factos do quotidiano, aparentemente sem qualquer importância, aos quais o autor dá a relevância do absoluto, do todo. É a sua obra-prima, sem prejuízo de outro entendimento.

29.Jul.13

Fartura de aparências

 

A carrinha Mercedez seguia à minha frente. Dentro do túnel havia luz suficiente para ver a extensão da amolgadela cravejada na traseira do veículo. Aquele contraste entre a robustez da marca Mercedez, insistentemente publicitada, e a chapa amachucada foi a chave que abriu a caixa onde venho guardando algumas ideias preconcebidas.

 

Do túnel até casa as ideias foram saindo em catadupa. Como já é habitual, tive de parar no semáforo da Teixeira Lopes (não é só o Jorge Sousa Braga que tem sempre um semáforo vermelho à sua espera), mesmo assim, as ideias continuaram a sair (não há semáforo que me valha).

 

Depois de todas somadas (e baralhadas), o resultado era uma conclusão tão evidente como evidente era a fragilidade da chaparia: a maioria das mensagens que percecionamos não passam de aparências e algumas são mesmo intencionalmente veiculadas como verdadeiras quando o não são (aqui há dolo: sabem que mentem, mas mesmo assim falam como se fosse verdade).

 

Exemplos:

  • São as pessoas que de um dia para o outro descobrem que estão gravemente doentes, quando nada o indiciava.
  • São certas instituições bancárias que vivendo da confiança do mercado, acabam por enganar não só os clientes como as entidades que as deviam fiscalizar.
  • São licenciados que se descobre mais tarde que pouco ou nada fizeram para obter tal grau de escolaridade.
  • São altos ou baixos representantes da igreja que a coberto das boas intenções enunciadas vezes sem conta, cometem crimes à luz da lei civil, sendo protegidos durante anos pelos seus pares.
  • São atletas que vencem e vencem competições de modo fraudulento.

E mais não escrevo, porque o texto já vai longo para um assunto de chaparia e, além disso, está na hora de almoçar (a fome agora é outra!).

 

A 44 (sob o jardim Soares dos Reis, Vila Nova de Gaia), 23 de julho de 2013.

27.Jul.13

Cãosumismo

Estado de dependência psicológica em que se sente um impulso irrefreável por estar perto de cães, quer sejam seus ou de outrem.


in Cão Noturno perseguido por Glossário Canino, escreveu Paulo Moreira Lopes, ilustrou Rui Sousa, no prelo.

21.Jul.13

A BULA de Julho

 

A BULA de julho conta com a participação de João Manuel Ribeiro e de Sara Cunha. O primeiro é o autor da prosa, a segunda da ilustração. O folheto A BULA está indicado no tratamento sintomático de situações culturais que requerem um analgésico literário, tais como: inércia ou falta de hábito de leitura, ou para quem lê um resumo ou as letras gordas de um título e logo fica com a convicção de ter lido tudo, e sintomatologia associada ao elevado custo da leitura ou a reações alérgicas ligadas à leitura.

 

Para fazer download basta clicar na imagem.

 

Ver criação d’ A BULA  aqui.

21.Jul.13

À esquina do CCB

 

Da última vez que estive no Centro Cultural de Belém saí pelas traseiras passando a caminhar pela Praça do Império. Chegado à esquina do prédio, que corresponde ao início da rampa para a entrada das viaturas oficiais, percorri com o olhar o espaço circundante desde a margem do Tejo até parar na esquina do Mosteiro dos Jerónimos. Então fui surpreendido com a falta de esquadria dos dois edifícios: o CCB tinha sido implantado à frente do Mosteiro. A intrusão era de poucos metros (3/4 metros), o suficiente para não passar despercebida. Fiquei irritado.

 

Até àquele momento ninguém me tinha feito mal nenhum. Antes pelo contrário, a visita ao Museu Berardo na companhia do rapaz (as mães andavam perdidas nas restantes salas) tinha sido muito proveitosa. Foram várias dezenas de minutos repletos de boas sensações, principalmente quando contemplei o quadro de Mondrian: Tableau. Apesar do quadro conter algumas infrações aos princípios teóricos do artista (a banda preta em cima, à esquerda, não fecha completamente a superfície amarela), o que é certo, é que as linhas pretas em esquadria e as cores primárias: vermelho, amarelo e azul, deixaram-me relaxado e tranquilo. Estava tudo a encaixar na perfeição (a viagem, o estado do tempo ameno, a exposição e a companhia) até chegar à esquina do CCB.

 

O que sei é que não dei importância nenhuma à infração de Mondrian em não ter fechado completamente a superfície amarela, mas fiquei irritado com a falta de esquadria dos edifícios.

 

A diferença das reações talvez resida na diferença da dimensão das infrações: uma pequena e justificável pelo esquecimento ou rebeldia do artista (será?), enquanto a outra é tão grande que até se vê do céu (Google Earth) e constitui uma manifestação de incompetência dos técnicos na implantação da obra (erro grosseiro na abertura dos caboucos), pois se foi intencional então a situação ainda é mais grave (há dolo na ofensa ao património mundial da Unesco).

 

Valha-nos Mondrian!

 

Belém (Lisboa), Junho de 2012.

 

Post Scriptum: Ainda sobre esta zona de Belém (a mais bonita de lisboa), será que ninguém pensou em demolir o quarteirão que se situa entre a rua Belém e a rua Vieira Portuense, unindo completamente os jardins da Praça do Império e Afonso de Albuquerque?

 

Esta é outra das situações arquitetónicas que me perturbam quando estou naquele lugar, mas tolerável, admito.

 

Vila Nova de Gaia, 20 de junho de 2013.

17.Jul.13

NANDI

 

O café estava encorpado e macio. Com a colher recolhi do interior da chávena restos da goma agarrada às paredes. Soube-me bem. A imagem estampada na saqueta do açúcar era hipnotizante, muito feminina, cheia de curvas (será erótica?). Ambos (sabor e imagem) reforçam o bem-estar que um e outro transmitem.

 

Darque (Viana do Castelo), 16 de julho de 2013.

17.Jul.13

SEGAFREDO

Bebi e pareceu-me aguado. Não tinha corpo nenhum. Não sabia a nada. Por sua vez, o logo e o design estampados na saqueta do açúcar também me pareceram deslavados. Frios. Ambos (sabor e imagem) estão bem um para o outro: dois insossos.

 

À primeira vista, sem pensar muito (será que a margem de erro será maior?), creio que o logo se ajusta mais a um produto ou serviço associado à precisão (máquinas fotográficas ou fotocopiadoras?) e à velocidade (entrega de correspondência ou sapatilhas?).

 

Vila Real e Albufeira, junho de 2013.

14.Jul.13

No princípio era a coisa

 

A senhora falava de modo a ser audível do sítio onde me encontrava, pelo que o diálogo se tornou público (as falas dela, claro).


Explicou que uma máquina caterpiler (quis dizer caterpillar, mas pronunciou caterpiler) tinha limpo o terreno. Acrescentou, de modo explícito e natural, que a máquina tinha estado a catrapilar. Eu juro que ouvi. Aliás, para não me esquecer, logo escrevi num papel.


Em linguagem técnica, o que a senhora quis dizer foi que uma máquina retroescavadora tinha limpo ou ripado o terreno.


De imediato, veio-me à memória uma controvérsia com um amigo sobre o termo chavear. Segundo ele, a palavra existia e seria sinónimo de fechar à chave. Não queria acreditar. Custava-me a crer que da coisa (chave) nascesse o verbo. Pesquisei na net e descobri que no Brasil o termo é usado.


Lembrei-me, ainda, que no final do ano passado a imprensa desportiva noticiou que os dicionários suecos, a partir de 2013, iriam inserir o verbo Zlatanear, inspirado na personalidade de Zlatan Ibrahimovic.


Conclui, em tempo, (é a minha tendência para a generalização/sistematização dos pensamentos) que, afinal, no princípio era a coisa (nome) e não o verbo.

 

Esgueira (Aveiro), 5 de julho de 2013.

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