Vestido à pai
(Chema Madoz)
- Pai, hoje estás vestido à pai?!
Será que nos outros dias visto à irmão?
Vila Nova de Gaia, 15 de fevereiro de 2017.
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(Chema Madoz)
- Pai, hoje estás vestido à pai?!
Será que nos outros dias visto à irmão?
Vila Nova de Gaia, 15 de fevereiro de 2017.
Da recente hecatombe das aves existem duas versões: uma, a do suicídio em massa; a outra, da súbita rarefação da atmosfera.
A primeira versão é insustentável. O fato de todas as aves – da águia ao beijaflor – levantarem vôo – com as subseqüentes diferenças de altura – à mesma hora – meio-dia – deixa ver duas coisas; ou bem obedeceram a uma intimação, ou bem firmaram o acordo de menear-se nos ares para precipitar-se em terra. A lógica mais elementar nos adverte que não está em poder do homem operar tal intimação; quanto às aves, dotá-las de razão é todo um desatino da razão. A segunda versão terá que ser desconsiderada. Caso a atmosfera tivesse estado rarefeita, teriam morrido somente as aves que voavam nesse momento.
Há ainda uma terceira versão, mas tão falaz que não resiste à análise; uma epizootia, de origem desconhecida, as teria deixado mais pesadas que o ar.
Toda versão é inefável, e todo fato é tangível. No escoliasta há um eterno aspirante a demiurgo. Sua soberba é castigada com a tautologia. O único modo de escapar ao fato inelutável da morte em massa das aves seria imaginar que presenciamos a hecatombe durante um sonho. Mas não nos seria factível interpretá-lo, uma vez que não seria um sonho verdadeiro.
Só nos resta o fato consumado. Com nossos olhos as olhamos mortas sobre a terra. Mais que o terror que nos proporciona a hecatombe, enche-nos de pavor impossibilidade de achar uma explicação a tão monstruoso fato. Nossos pés se enredam entre a abatida plumagem de tantos milhões de aves. De pronto todas elas, como em um crepitar de chamas, levantam vôo. A ficção do escritor, ao apagar o fato, devolve-lhes a vida. E só com a morte da literatura voltariam a cair abatidas em terra.
Versão portuguesa retirada daqui: http://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/30121/32006 (página 165)
Existe outra versão portuguesa de Rui Manuel Amaral publicada in O Grande Baro e outras histórias de Virgílio Piñera, da coleção Pedante, edição/livraria SNOB.
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É para isto que serve a literatura.
Vila Nova de Gaia, 11 de fevereiro de 2017.
Sempre que precisamos de uma tesoura não a encontramos. É o pernas para que te quero, diz ela.
A luz solar é muito independente, anda sempre sozinha, enquanto a luz elétrica gosta que lhe deem a mão.
A poesia, tal como o amor, é um analgésico natural. O rótulo no frasco diz: "Restaura o assombro e a inocência."
Publicado in A poesia como arte insurgente, Relógio d'Água - janeiro de 2017, página 79.
Quando acendemos a luz apagamos o escuro.