NASCI em Rebordosa (Paredes) e fui viver para Valongo com poucos meses de idade. Só ia a Rebordosa nas férias da escola. Até à adolescência era o paraíso na terra. O Adão Campos (1964-2016) também era natural de lá, onde sempre viveu até ser adulto. Quando o encanto do paraíso começou a desaparecer eis que conheço o Adão. Um rapaz de uma sensibilidade extraordinária. Adorava literatura (coisa rara num meio dominado por marceneiros e entalhadores) e transmitia-o com muito entusiasmo e convicção. Punha o que há de bom na literatura ao serviço da vida real.
Num momento em que me assolavam todas as dúvidas (namorar e saídas profissionais) o encontro com o Adão veio mesmo a calhar. Por ser mais velho e mais adulto, desdramatizava as minhas angústias existenciais. Às vezes até brincava e dizia que eu parecia o personagem da canção do Rod Stewart, Some Guys Have All The Luck (em 1984, eu tinha 17 anos). Vindo dele (já parecia professor) não ofendia (era o tempo das suscetibilidades) e mostrava a necessidade de eu aprender a relativizar as adversidades da vida (tão próprio das pessoas maduras). Aconselhava-me leituras e mostrava a sua admiração, naquele momento, por Almada Negreiros (acho que imitava o Almada ao alongar a haste do d de Adão quando assinava).
Em vez de curtirmos álcool ou outras drogas, tão habitual em alguns jovens à época, apostávamos na leitura e na música. Fazia-me bem estar com ele. Parecia outro. Sempre que o encontrava a dopamina disparava. A paixão dele pela literatura era contagiante. Os sentimentos positivos da leitura, como sejam a alegria, a esperança, o humor, a verdade, a simplicidade, a justiça e a solidariedade, tomavam conta dele e propagavam-se a nós. Era a personificação da boa literatura. Há os homens da ciência, da política, de Deus, da banca, do futebol, do campo, da indústria, da música, do cinema e de outras tantas atividades e interesses. Pois o Adão era um homem da literatura. Um poema feito homem que li fascinado.
O exemplo do Adão e de outras pessoas que entretanto pude vivenciar alimentam este projeto do Correio do Porto. Isto não é um desvario, um desafio ou um capricho. A paixão pela literatura (leia-se procura dos bons sentimentos pela leitura) é um modo de vida, de ser, que afeta todos os atos do nosso dia-a-dia (há quem diga que é uma doença). Não se pratica ou se exerce a literatura como se fosse uma profissão, passatempo ou frete. É-se literatura. Habituamo-nos a ver a realidade como uma possibilidade e não como uma fatalidade. Inspirados por tais sentimentos bons, acreditamos que é possível criar um mundo mais justo, mais solidário, mais digno, no fundo, com momentos de felicidade intercalados com a dura realidade, que não podemos, nem devemos desprezar. Por isso, como fez o Adão, vivamos a poesia!
Publicado in Correio do Porto