Rodapé
Há palavras cujo sentido(s) ganha mais sentido(s) com o correr do tempo. Vamos atrás do tempo e eis senão quando a propósito de uma atividade ou de um acontecimento a palavra fica mais preenchida, mais rica. É como se nós tivéssemos para cada palavra uma caixa[1] e fossemos guardando nela o que fossemos vendo e sentindo.
Foi o que se passou com a palavra rodapé.
Na caixa/palavra rodapé guardei, então, os seguintes significados:
1. Espécie de cortina que cobre o âmbito da cama até ao chão.
2. Barra de madeira colocada ao longo da parte inferior das paredes.
3. Faixa da madeira, na parte ínfero-interior das grades de uma janela de sacada.
4. Parte inferior das páginas de um livro, jornal ou revista.
5. [Televisão] Texto corrido que surge na parte inferior ou superior do ecrã durante a emissão de um programa televisivo.
Pois bem, o segundo significado (barra de madeira) acabou por incorporar o sentido da função do próprio objeto. A revelação ou epifania, como se queira, foi contemporânea das várias obras de colocação de parquê que fui assistindo nos últimos anos. Ao ser confrontado com o desalinho dos tacos junto às paredes, percebi então que a barra se destinava a tapar a feiura do remate do parquê. Ou seja, o sentido da palavra a guardar na caixa deixou ser somente o da coisa (barra de madeira), passando a incorporar também o da causa da coisa.
Assim, acrescentei um sexto sentido à palavra:
6. Forma de ocultar a feiura do desalinho dos tacos junto às paredes, ou, somente, forma de esconder a fealdade.
Por contribuir, sem o saber, para o embelezamento discreto dos lugares da nossa vida, é por este que tenho mais simpatia e admiração.
Vila Nova de Gaia e Armação de Pêra (Silves), 24 de junho de 2013.