São factos do quotidiano, aparentemente sem qualquer importância, aos quais o autor dá a relevância do absoluto, do todo. É a sua obra-prima, sem prejuízo de outro entendimento.
São factos do quotidiano, aparentemente sem qualquer importância, aos quais o autor dá a relevância do absoluto, do todo. É a sua obra-prima, sem prejuízo de outro entendimento.
- Contaram-me que… - e no final desabafou. - Ele não estava nele!
- Então estava onde?
Até hoje ainda não me respondeu. Não admira, tem um fraco sentido de orientação.
Vila Nova de Gaia, 08 de dezembro de 2014.
- O barbeiro cortou-te tão pouco cabelo?!
- Disse-lhe que tinha de sair às onze para ir buscar o rapaz. Ele cortou o que pôde até àquela hora. Fez o que eu lhe pedi.
Da próxima vez que o barbeiro me perguntar se quero que corte muito ou pouco cabelo vou responder: meia hora de corte de cabelo.
Vila Nova de Gaia, 29 de novembro de 2014.
- Olha um cão de água!
- Será que molha?
Claro que não, respondi. O dono tinha-o preso ao guarda-chuva.
Jardim Soares dos Reis, Vila Nova de Gaia, 23 de julho de 2014.
- Chegas-te bem?
- Assim assim. O carro está a fazer um barulho esquisito. Na viagem apareceram umas luzes, mas não sei qual o significado. Não sei o que se passa. Ele não fala!
Sem palavras: eu e o carro.
Vila Nova de Gaia, 17 de julho de 2014
- Paulo, podes levar o lixo?
- Está bem! Dá cá!
(…)
- Voltas-te?!
- Esqueci-me da chave do carro.
Neste momento só me tinha esquecido da chave do carro. Depois, quando cheguei à garagem, saí sem levar o saco da fruta que ela me preparou (pousei o saco enquanto vim a casa buscar a chave). Tudo por culpa dela e da mania de me pedir para fazer duas coisas ao mesmo tempo: sair e levar o lixo. Acabei por levar o lixo e esqueci-me de sair (levar a chave). Se saísse sem levar o (...)
- Então o que é que eu trago?
- Trazes A. Senão houver A, trazes B. Senão houver B trazes C. Senão houver C trazes D.
- Está bem. Senão houver A eu depois telefono-te.
É impossível acompanhar o pensamento alternativo dela. E quando é intercalado com à partes (onde, quando e como conheceu a coisa ou a pessoa) e pormenores (cores, dimensão e preço da coisa), é para esquecer logo que surja o primeiro parêntesis.
Vila Nova de Gaia, 9 de fevereiro de 2014.
- Paulo, estás a ver o que te estou a dizer?
- Não.
- Podias ter logo dito!
Quando me descreve pormenores da casa, nem sempre consigo ver o que me diz. Não compreendo é a irritação dela, sabendo há mais de vinte anos que sou míope.
Vila Nova de Gaia, 7 de fevereiro de 2014.
- Paulo, espera um bocadinho, por favor!
- Está bem.
- Nesta carteira nunca encontro o que quero. Tem muitas bolsinhas.
Nunca lhe mexo nas carteiras, mesmo quando me pede. É-me impossível encontrar seja o que for naquela confusão. O que não sabia é que ela prefere a confusão às bolsinhas.
Vila Nova de Gaia, 31 de janeiro de 2014
- Paulo, hoje és tu a fazer a cama.
- Porquê?
- Porque ontem fi-la eu!
Detesto fazer a cama sozinho. Irrita-me andar de um lado para o outro. E quando me lembram, são irritações a dobrar: o esquecimento e as voltas à cama.
Vila Nova de Gaia, 25 de janeiro de 2014.
- Já viste?! Os talheres estão todos arrumados e no sítio certo.
- É verdade. E também é verdade que se fosses mulher terias aproveitado para pôr os talheres na mesa, agora que vamos almoçar, em vez de os colocares todos na gaveta.
- Não te preocupes! Eu aguento bem com as tarefas de ser homem.
Começa por pedir ajuda nas tarefas e depois já quer que mudemos de sexo.
Vila Nova de Gaia, 30 de dezembro de 2013.